Quando eu acordar do sono da vida




Quando eu acordar do sono da vida
Não quero ver ninguém infeliz
Quero que meus amigos riam na hora da partida
Bebendo e relembrando tudo o que fiz

Quando eu acordar do sono da vida
Quero despedir-me sorrindo dos entes queridos
Para que não sofram com a partida
Do filho distante, porém nunca esquecido

Quando eu acordar do sono da vida
Não quero lágrimas nos olhos da minh’amada
Quero que saiba que sempre foi querida
E que deu-me forças pra seguir na árdua estrada

Que conduz aos homens de volta à essência
Desde a tenra infância até o seu ocaso
Pra o destino que espera a todos sem clemência
Tendo estabelecido desde o nascer seu prazo

Quando a dama de preto vier me buscar
Para habitar em seu estranho mundo
E com seu frio beijo minha vida ceifar
Finalmente despertarei deste sono profundo

Correspondência


Nesses longos dias sem cor que tardam a passar
Só a lembrança do teu riso me traz alento
Quando me arrebata o estranho sentimento
De entrar nesta casa e não te encontrar

Tudo aqui tornou-se estranho sem tua presença
Olho para o que é meu e sinto estranheza
Acomete-me de súbito uma descrença
E novamente sou inundado pela tristeza

Quando tua gargalhada ecoa pela casa
Meu triste coração enche-se de esperança
Como um pássaro que cura as asas
Como um ancião que volta a ser criança

Mas quando partes levando o teu riso
Tudo o que me resta são lembranças
Do teu abraço que tanto preciso
Para me livrar de toda a desesperança

Sinto-me como um soldado em guerra
Que só continua a lutar por causa da sua amada
Sem ti toda a vontade se encerra
Apenas teus braços me inspiram a voltar pra casa

Incautos

Incautos

Ó pobres almas surdas que vagam pelo mundo
Surdas não pela deficiência da audição
Mas pela negligência de não se aterem à contemplação
De todos os ruídos que os circundam.
Levam uma existência miserável
A correr para lá e para cá recurvos
Como infelizes atormentados na divina comédia
Tal comédia é suas vidas que de divina não tem nada
Chocando-se de frente com as hordas de transeuntes
Nas passarelas, nas faixas, nos corredores de shoppings
Alheios à própria existência nas galerias infernais
Dos templos malditos dedicados ao consumismo
Onde o dinheiro é o Deus adorado
E a frivolidade é o fim a se alcançar
Ó turba incauta a vagar neste deserto
A alimentar ledo engano
Ignorando o sentido arcano deixam o que belo passar
Tua reles sombra neste mundo não é nada comparada ao universo
E aquilo a que te apega, a morte virá ceifar.


Tormento


Não sou profeta, tampouco como almejo poeta
A mim não foi dada a clarividência de saber o futuro
No entanto dentro de minha mente oscilante e inquieta
Monstrinhos terríveis corroem-me os pensamentos

Sugam minhas forças, tornam-me débil
Deixando-me o corpo cansado e a alma mais cansada ainda
Como flor que desvanece num jarro
Ou pássaro aprisionado cujo cantar lamuriante não finda

As horas do dia passam a conta gotas, enquanto a juventude se vai
As esperanças esfarelam-se entre os dedos como uma velha pétala encontrada num livro
Nas horas de solidão lancinante é que os fantasmas vem atormentar-me
Retiro a máscara que durante o dia me disfarço
E meus monstros identificam-me

E então novamente recomeça o tormento
Sento-me nesta sala silenciosa e posso ouvir o uivo dos lobos que pensei ter despistado
Aproximando-se para acabar de estraçalhar o coração que já está despedaçado


04/05/2017

No Tempo das Saúvas

Imagem: Briton Rivière



Água da chuva que caía do telhado
Na velha caneca de alumínio
Que eu bebia sem me preocupar...
Água da chuva com gosto de vida
Do tempo que eu não sabia sobre os medos,
Ainda imune às dores da existência.
Tempo em que as tristezas estavam dormentes
E viver não tinha tanto pesar
Tempo que passou, substituído por angústia e agonia
Que só me permite hoje sentir uma imensa nostalgia
Pelos dias de outrora, que se tornaram melancolia.
Hoje indiferente e vazio é quase impossível ter alegria
Os sonhos que habitavam o coração juvenil
Transformaram-se em utopia
As dores da existência são reais
E eu, destituído de sentido
Vivo apenas mais um dia.

Roberto Codax
30/04/2017

Taciturno



Sou mais uma sombra entre outros espectros
Em meio à turba dos desafortunados sinto o vazio deste limbo
Olhando os semblantes tristes que vagueiam neste deserto
Destituídas de tudo, mas ainda assim seguindo.

À espera de alguém que os liberte do sofrer perpétuo
Que foram condenados a passar sem clemência
Vagueando por este abismo abjeto
Ao findar da efêmera existência.

Sigo sozinho, imerso em mim mesmo e taciturno
Enquanto outros em grandes filas de aflitos
Lamentam em estridentes ais seu infortúnio
Mantenho-me imperturbável e meu silêncio ecoa mais que seus gritos.

Não há nobre alma que por aqui viaje, guiado por Virgílio
Neste mundo onde o tempo também não existe
Todos são desconhecidos, não há pais nem filhos

E por toda a eternidade apenas a solidão persiste.

Sobre o autor

“Escrevo pela simples necessidade de sentir meus próprios sentimentos e ouvir meus pensamentos que vagam sem ressonância neste mundo de surdos. Eu escrevo pra tentar compreender a mim mesmo, não para responder questões às quais nunca saberei a resposta.(Roberto Codax)

Roberto Codax. Tecnologia do Blogger.